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Fazenda resiste a ampliar comércio sem dólar

A publicação de declarações do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, defendendo a substituição do dólar como moeda internacional, em maio, levou altos funcionários do governo dos Estados Unidos a contatar, com preocupação

Fonte: Valor EconômicoTags: comércio

Sergio Leo

A publicação de declarações do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, defendendo a substituição do dólar como moeda internacional, em maio, levou altos funcionários do governo dos Estados Unidos a contatar, com preocupação, o Ministério da Fazenda, em Brasília. Os americanos estranharam a participação do Brasil em uma articulação para substituir o dólar como moeda mundial de referência. Ouviram, da equipe econômica, a resposta de que, apesar de declarações como a de Mangabeira, o governo manterá em banho-maria a discussão sobre mudança do padrão monetário internacional.

A ideia de criar mecanismos de swap, pelo qual países trocariam suas moedas entre si, sem necessidade de referência ao dólar, é um dos temas levantados na reunião de chefes de Estado, na cidade russa de Ecaterimburgo, entre Brasil, Rússia, Índia e China, hoje. As autoridades brasileiras, inclusive o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, continuam declarando o interesse em criar esse tipo de mecanismo. Mas, na prática, a equipe econômica só vem trabalhando para consolidar o swap de moedas entre o Brasil e os parceiros na região sul-americana.

Nesta semana, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deve ir a Buenos Aires e anunciar o início do sistema com a Argentina, pelo qual os argentinos poderão sacar, no Banco Central brasileiro, cerca de R$ 3,5 bilhões. Pelo sistema, a Argentina fica autorizada a retirar, durante um prazo de três anos, o equivalente em reais a 6,5 bilhões de pesos, ou US$ 1,5 bilhão. A intenção do mecanismo é facilitar o pagamento de compromissos daquele país com o Brasil e vice-versa, sem necessidade de reduzir as reservas dos países em moeda forte, como o dólar.

O governo quer estender o mecanismo para outros países, e já negocia com parceiros como o Uruguai, com quem as conversas andam adiantadas. A ideia abre caminho para o uso do real como moeda de referência na região, reduzindo a dependência dos vizinhos em relação ao fluxo de investimentos e comércio em dólares e diminuindo custos nas transações do Brasil com esses mercados - com os quais o Brasil tem grandes superávits comerciais. Pelo mesmo motivo, tanto o BC quanto a Fazenda recebem com reservas a ideia de criar mecanismo semelhante com países como China ou Rússia, com grandes reservas em moeda estrangeira e, pelo menos no caso dos chineses, com forte penetração no mercado brasileiro. A possibilidade desta ampliação foi admitida pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Nas conversas com os integrantes do governo dos Estados Unidos - a secretaria do Tesouro americana tem mantido contatos frequentes com a equipe de Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles - os integrantes da equipe econômica têm tranquilizado os auxiliares do presidente Barack Obama, com garantias de que não se engajarão tão cedo em conversas para substituir o dólar.

Mangabeira, mais entusiasmado com a ideia, levou a proposta de avançar nas discussões sobre o assunto, em reuniões em Ecaterimburgo que precederam o encontro de chefes de Estado de hoje. Para o BC e o Ministério da Fazenda, essa discussão não é prioridade e não traz benefícios para o Brasil.

Mesmo Mangabeira reconhece que a substituição do dólar como moeda de referência e reserva internacional é um projeto de longo prazo, e com sérias dificuldades. Mangabeira vê duas hipóteses de substituição do dólar: a criação de uma cesta de moedas de referência ou um mecanismo ampliado semelhante aos Direitos Especiais de Saque do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma espécie de moeda virtual emitida pelo fundo com base em depósitos em moeda local dos países sócios.

Em todos os mecanismos, o maior empecilho é a resistência de todos os países em transferir a algum órgão burocrático internacional a prerrogativa de emissão da futura moeda mundial, ou da administração das cotações da cesta de moedas. Para integrantes da equipe econômica, a tendência natural será a de constituição de um mecanismo referenciado em duas moedas, o dólar e o yuan chinês - ao Brasil não resta muita opção a não ser acompanhar, de longe, as discussões entre os dois países.